1 Não espalharás notícias falsas, nem darás mão ao ímpio, para seres
testemunha maldosa. 2 Não seguirás a multidão para fazeres
mal; nem deporás, numa demanda, inclinando-te para a maioria, para torcer o
direito. 3 Nem com o pobre serás parcial na sua demanda.
4 Se encontrares desgarrado o boi do teu inimigo ou o seu jumento,
lho reconduzirás. 5 Se vires prostrado debaixo da sua carga o
jumento daquele que te aborrece, não o abandonarás, mas ajudá-lo-ás a erguê-lo.[1]
(Êxodo 23.1-5)
Eu desde a minha adolescência ouvia e
ouço que, um cristão não deve participar de uma passeata, porque a Bíblia
orienta assim. Particularmente, já li a Bíblia algumas vezes e nunca tinha lido
algo a respeito que fosse contrário a esse tipo de conduta popular ou
manifestação. O grande estadista Moisés regulamenta o assunto no Livro de Êxodo
e há ao longo do Antigo e Novo Testamento registros de vários tipos de
manifestação popular, que não comentaremos aqui, pois fogem ao objetivo desse
artigo. Mas afinal é lícito a um cristão participar desse tipo de manifestação?
Vejamos então.
Comecemos do início, o que vem a ser uma
passeata? Vejamos o que o Aurélio diz respeito. Substantivo Feminino que 1)
Significa pequeno passeio; volta, giro. 2) No português brasileiro significa
marcha coletiva em sinal de regozijo, reivindicação ou protesto cívicos, ou de
uma classe; caminhada. Agora vejamos no Dicionário Houaiss: Substantivo
feminino que indica 1) ligeiro passeio, giro, volta; 2) No regionalismo do
Brasil: Marcha coletiva empreendida por grupo ou categoria para realizar
protesto, reindicação, manifestação de solidariedade etc., ou para expressar
regozijo por alguma coisa; caminhada.
Como se pode perceber não há nenhuma
diferença substancial entre os significados demonstrados em ambos os
Dicionários. Faremos uma análise sumária a partir dos sentidos acima expostos:
Passeata é um passeio ligeiro, de curta duração. Um andar coletivo, por
exemplo, no Rio de Janeiro, seja na Av. Presidente Vargas ou Av. Rio Branco é
um passeio que de modo individual ou coletivo não demorado, mas rápido. Nesse
sentido, tudo bem.
O outro sentido é de marcha coletiva em sinal de regozijo
por alguma coisa. Quanto a isso não há nada de regozijo, mas também não
significa que os que fazem passeatas no momento estão amargurados e totalmente
infelizes. Porém, não é nenhum carnaval e nem tem bandeiras partidárias.
Passeata é a reivindicação ou protesto cívico. Quanto à reivindicação é o que a
passeata quer demonstrar, uma demanda que protesta e reprova de modo pacífico,
mas veemente o aumento abusivo das passagens dos coletivos. Esse aumento foi de
R$ 0,20 (vinte centavos), mas não é apenas isso. Há uma imensa insatisfação no
povo brasileiro que vê suas economias pessimamente administradas. Há um
descontentamento generalizado pela corrupção que assola o país por meio das
obras superfaturadas dos estádios de futebol e demais obras públicas. A maneira
como tratam o dinheiro público exigindo o máximo do povo em troca de cestas
básicas e dando-lhe o pior atendimento nos hospitais.
Passeata é uma caminhada. De fato é uma caminhada de curta duração, mas uma
caminhada de repudio a esse sistema viciado que é, um devorador em que não há
dinheiro que chegue. É um manifesto político sem bandeira partidária, pois se
trata de uma reação da coletividade que não aguenta mais tanta sordidez de
políticos, juízes e demais funcionários públicos inescrupulosos. Políticos que
negociam seus votos e seus favores a uma minoria que só quer ganhar sem trazer
benefícios na saúde, nos portos, nas estradas, na educação etc.
Agora retornemos ao ponto de origem,
quanto à licitude de o cristão participar ou não de passeatas. Penso que pelo
bom senso, o exposto acima já diz por si só, e o cérebro recebemos para pensar.
Todavia, vamos lá. A Bíblia é um livro que expõe e prega o princípio da verdade
e repudia a exploração e corrupção. Ela está recheada de denúncias aos reis,
políticos e juízes ao longo de sua narrativa histórica e profética. Ela
demonstra como indivíduos e o próprio povo foi injustiçado e explorado muitas
vezes. A temática bíblica está em torno da verdade e da justiça que deve ser
buscada e aplicada cotidianamente. Isso é tão sério que Moisés determinou que: “Não espalharás notícias falsas, nem darás mão ao ímpio, para seres
testemunha maldosa”, Ex 23.1. Basta uma notícia para se ter resultados
imprecisos, manipulados e injustos.
Vamos agora ao que a Bíblia
diz a respeito de passeata: “Não seguirás a multidão para fazeres mal”, Ex
23.2a. O texto diz, “Não seguirás a multdião...” e muitos com quem conversei a
respeito param aí, mas o texto continua: “... para fazeres”. Nenhuma multidão
deve ser seguida se ela tem como finalidade clara de fazer mal, mas que tipo de
mal? Se formos até aí no texto, ficaria muito vago o entendimento, mas o texto
prossegue. Ele continua: “nem deporás, numa demanda, inclinando-te para a
maioria, para torcer o direito”. Fazer “o mal” é esclarecido como “torcer o
direito” de alguém, e isso é anticívico e antibíblico. Mesmo que tal
reivindicação seja de uma maioria, mas se for algo injusto seria ilegítimo,
ilegal e até pecaminosa uma passeata assim.
Devemos nos lembrar que quando
os filhos de Israel saíram do Egito e se fixaram em Canaã tinham uma noção
clara de pertencimento a uma nação e a civilidade. O próprio sistema legal
deles é uma herança a toda humanidade neste sentido. O cidadão israelita não
poderia se unir a uma multidão para torcer o direito de quem quer que fosse,
ainda que fosse de uma minoria, pessoa pobre ou rica. Ningém tem o direito de se beneficiar
pelo fato de ser minoria ou pobre, mas a justiça e medidas justas são para
todos. Além da Bíblia o cidadão cristão tem a Constituição Federal que lhe diz
acerca de participação de reuniões públicas:
Art. 5º Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem
armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde
que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local,
sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
[1]Sociedade Bíblica do Brasil: Almeida Revista E
Atualizada - Com Números De Strong. Sociedade Bíblica do Brasil, 2003;
2005, S. Êx 23:5